Lígia Mesquita - Uol
Lulu, aos seis anos, ainda surpreende os adultos que convivem
com ela. Recentemente, falou com naturalidade para uma psicóloga: "Sei que
não vai sair nenhum bebê da minha barriga e que eu não vou ter peito".
E agora ela também sabe que seu antigo nome, Manuel, ficará
somente como uma lembrança do passado. E que, em breve, passará a ser Luana, o
nome que escolheu há dois anos.
Os pais da garotinha argentina conseguiram autorização do
governo de Buenos Aires para que a filha trocasse sua identidade no DNI, o RG
da Argentina. Ela será a primeira criança transgênero a obter esse feito no
país.
Mas não foi fácil. Em dezembro de 2012, o órgão estadual
responsável pelos registros havia negado a solicitação. A mãe de Lulu, Gabriela
(ela não revela o sobrenome), decidiu então escrever uma carta à presidente
Cristina Kirchner contando a história.
A Presidência recebeu a mensagem e encaminhou o caso para a
Senaf (Secretaria Nacional da Criança, Adolescente e Família).
Na segunda-feira, o órgão enviou uma carta ao governador de
Buenos Aires, Daniel Scioli, e em dois dias autorizaram o novo registro. A
família de Lulu mora na Grande Buenos Aires.
"O DNI é como um espelho. Se uma pessoa não se
identifica ali, isso não é bom. Foi uma luta importante que vencemos",
afirma à Folha um dos psicólogos da criança, Alfredo Grande.
Para César Cigliutti, presidente da CHA (Comunidade
Homossexual Argentina), a conquista de Luana é "emocionante". "É
algo histórico conseguir um novo registro sem que tenha sido necessário
recorrer à Justiça", diz.
A entidade de direitos LGBT assessora a família de Lulu com o
tratamento psicológico e prestou acompanhamento jurídico no processo da nova
identidade.
Segundo Cigliutti, o governo aceitou o uso da Lei de
Identidade de Gênero para promover a mudança, já que a legislação não define
nenhuma idade para o reconhecimento de um transgênero.
A psicóloga Valéria Paván, que também atende Lulu há dois
anos, afirma à Folha que não foi preciso apresentar nenhum laudo psicológico da
paciente. "Justamente porque essa lei procura a despatologização dessa
questão."
PRINCESA LULU
Lulu é irmã gêmea de um outro menino. Sua mãe, que neste
momento prefere não dar entrevistas, falou há um mês à Rádio La Retaguardia.
Contou que, quando a filha tinha um ano e seis meses, disse: "Eu, menina,
eu princesa". E que desde então assumiu ser menina.
A argentina não é a primeira criança transgênero a ter uma
nova identidade. A americana Coy Mathis, 6, também conseguiu no ano passado
mudar seus documentos.
E foi assistindo a um programa de TV sobre uma menina
transgênero que Gabriela diz ter compreendido o que se passava com a filha e
buscou ajuda.
"Ao aceitar que meu filho não era o filho que eu dei à
luz, mas sim uma menina, aceitei sua identidade e me coloquei ao seu
lado", disse a mãe de Lulu.
"Muitas crianças transgênero não têm pais que as
escutem. Os de Lulu prestaram atenção nela. Ter um novo documento é um passo
importante. Mas ela sabe que ainda tem muita coisa pela frente, porque tem
consciência de que seu corpo é o de um homem", afirma a psicóloga Paván.
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